Ele segue, à nossa espreita, no aguardo de um descuido, um vacilo, por mínimo que seja.
Gostamos de foliar, de curtir o Carnaval, como se cada um fosse o último de nossas vidas? Que legal! Talvez este seja o último, mesmo, caso não nos resguardemos neste, para podermos aproveitar, com alegria, os próximos... Gostamos dos bloquinhos, das matinês nos clubes, dos desfiles na avenida...
Mas, nosso inimigo também gosta e está cheio de energia para nos fazer companhia. Beber, cair e levantar? Muitos não levantarão mais, infelizmente. Muitos voltarão para suas casas levando consigo o indesejável hóspede do mal, que vai ceifar as vidas de nossos velhinhos, a quem tanto amamos; vai ceifar as vidas de nossos queridos familiares, de saúde já debilitada, que lutam, há anos, pela sobrevivência, que sabem, como ninguém, cumprir os protocolos (e os cumprem com rigor).
Talvez você sobreviva a este Carnaval, mas muitos inocentes, que não foliaram, não sobreviverão. Serão traídos por um beijo, um abraço, um espirro incontido.
Talvez, nosso próximo Carnaval seja regado a lágrimas de saudades por aqueles a quem não cuidamos.
O inimigo segue à espreita. Não sejamos nós a fornecer-lhe as armas e as munições com as quais irá nos ferir...
O discurso é lindo! Ideias garimpadas nas profundezas da alma e lapidadas delicadamente para encantar e seduzir. Utopias traduzidas em belas palavras, doces ilusões vendidas, no atacado, para adoçar vidas amargas, embalar almas carentes de afeto e atenção... Dizem-nos o que precisamos ouvir, dão-nos as fantasias que queremos vestir e seguimos cegamente o cortejo, extasiados pela delicadeza e suavidade das mãos que nos conduzem (mãos aveludadas e perfumosas). Sem contestar, sob o efeito hipnótico do texto intencionalmente bem elaborado, do verso metrificado e bem recitado. Néctar em nossas bocas ácidas, música suave para nossos ouvidos castigados e sensíveis, miragem à frente de nossos olhos cansados, oásis para o merecido descanso de corpo e alma...
E, nessa pseudo hipnose coletiva, a que, voluntariamente nos entregamos, nossos pés nos levam, numa marcha cadenciada e quase militar, em direção ao abismo dos desejos impossíveis, que jamais hão de se tornar realidade.